Terra Yanomami segue sob ameaça quase 3 anos após emergência; lideranças denunciam garimpos

  • 11/10/2025
(Foto: Reprodução)
Lideranças denunciam garimpos ativos e falhas graves na saúde Yanomami Quase três anos após o decreto de emergência na Terra Yanomami, lideranças indígenas denunciam que o garimpo ilegal segue ativo, destruindo roças, contaminando rios com mercúrio e, consequentemente, provocando desnutrição e impactos na rotina dos indígenas. Apesar das medidas intensificadas pelo governo federal a partir de 2023, a crise sanitária e humanitária persiste. O líder indígena Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, a mais representativa do povo, afirma que os invasores seguem presentes, principalmente em territórios nos cursos dos rios Catrimani e Uraricoera. Por isso, um dossiê organizado pela Hutukara, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), pela Associação das Mulheres Munduruku Wakoborūn e pela Associação Indígena Pariri foi entregue à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em setembro e denuncia que o Brasil "tem faltado com ações para melhorar a saúde Yanomami". O governo diz que tem agido e ampliado o trabalho contra os invasores oferecendo assistência aos indígenas. (leia abaixo) ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 RR no WhatsApp Segundo especialistas, embora o governo tenha intensificado as operações no território, o principal desafio hoje é impedir que os invasores retornem, já que o garimpo ilegal é sustentado por uma "robusta estrutura econômica" e os trabalhadores flagrados no garimpo são "apenas a ponta da linha de um sistema complexo". Além disso, as penas para crimes ligados ao garimpo ilegal são consideradas brandas e pouco punitivas. Um projeto de lei tramita no Senado para alterar a legislação. 📍️ A Terra Yanomami é o maior território indígena do Brasil com quase 10 milhões de hectares entre os estados do Amazonas e Roraima. Garimpeiros atuam na região desde, ao menos, a década de 1970. ❓A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. Governo decreta emergência de saúde pública para combater desassistência aos Yanomami O que aconteceu em um ano de emergência Yanomami Os riscos à saúde causados pelo uso de mercúrio no garimpo Justiça condena União e determina ações contra contaminação por mercúrio 70% de alertas em sistema de monitoramento são sobre presença de garimpeiros Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami Caíque Rodrigues/g1 RR Denúncia O dossiê enviado à CIDH destaca, entre outras questões, que a União não realiza triagem, diagnóstico ou tratamento em larga escala para a contaminação por mercúrio nos indígenas. Por se tratar de uma terra indígena, apenas a União é responsável pelo trabalho na Terra Yanomami. Os garimpos ilegais usam mercúrio em excesso para viabilizar a separação do ouro dos demais sedimentos, causando a contaminação dos peixes e a morte dos rios. Isso é refletido, segundo especialistas, em miséria e diversas doenças que assolam populações das regiões afetadas. Apenas 398 notificações de contaminação por mercúrio foram registradas ao todo no território, número considerado "insignificante" diante da população de mais de 33 mil indígenas. O documento alerta que os exames precisam ser feitos em cabelo, sangue ou unhas, e não apenas na água dos rios. Além disso, há registro de aumento de doenças como malária, infecções respiratórias e infecções parasitárias, agravadas pela precariedade do atendimento de saúde e pela dificuldade de acesso a tratamento. Para Dário Kopenawa, a crise sanitária se agrava pela falta de estrutura do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y). Ele relatou que já presenciou uma criança morrer por falta de oxigênio e por demora no resgate aéreo. A denúncia reforça também que pistas clandestinas que existem há mais de 30 anos continuam funcionando e aviões sobrevoam a região diariamente para abastecer os invasores. “O governo fala que diminuiu [a presença de invasores], mas o garimpo ainda continua. Eles [são alvo de operações e] voltam”, disse Dário ao g1. Aviões de garimpeiros flagrados sobrevoando a Terra Yanomami em 2025 Reprodução O que diz o governo Por meio de nota, a Casa Civil - que coordena as ações no Terra Yanomami, afirmou que o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami vem reduzindo vertiginosamente como consequência das ações do Governo do Brasil'. Segundo a pasta, as áreas de garimpo ativo tiveram redução de 98% entre março de 2024 e setembro de 2025. 🔎 Em 20 de janeiro de 2023, o Governo Federal decretou emergência em saúde pública para responder à grave crise sanitária e humanitária no território. Com isso, foram adotadas ações interministeriais para atender às necessidades básicas de saúde, segurança alimentar e para combater o garimpo ilegal. O governo informou ainda que as operações resultaram em R$ 499 milhões de prejuízo aos financiadores da atividade ilegal e na destruição de acampamentos, aeronaves, motores, balsas e embarcações, além da apreensão de ouro, mercúrio, armas e munições. A Casa Civil informou também que utiliza monitoramento por imagens de satélite e inteligência integrada de órgãos federais para combater a atividade, e que todos os alertas enviados pela Hutukara são checados em campo. Em casos em que há registros de atividades em território venezuelano, o órgão informou que aciona autoridades competentes daquele país. Garimpo ativo Infográfico - Garimpo ilegal ativo na Terra Yanomami, segundo relatório elabora pelas entidades que atuam na proteção indígena Arte/g1 Os relatórios elaborados pelos representantes dos indígenas confirmam que núcleos garimpeiros continuam espalhados em diferentes regiões da Terra Yanomami. O documento chamado 'Monitoramento da Terra Indígena Yanomami - 1º semestre de 2025' aponta que, apesar da redução em larga escala desde 2023, ainda há focos ativos de garimpo em Apiaú, Xitei, Waikás, Auaris, Parima, Baixo e Alto Catrimani e Papiu. O impacto foi de 23 hectares de floresta desmatada apenas em 2025. (veja no mapa acima) O Sistema de Alertas, que recebe denúncias das próprias comunidades, registrou no início de setembro aviões clandestinos no Apiaú e uma draga em operação no Baixo Catrimani. Esses dados, repassados semanalmente às autoridades, mostram que a atividade garimpeira se reorganiza rapidamente sempre que há operações pontuais. ⚖️Endurecimento da lei: Se o Projeto de Lei Projeto n° 3776, em tramitação no Senado, for aprovado, o crime de garimpo ilegal, que tem pena de detenção, de seis meses a um ano, passará a ser de reclusão de um a quatro anos. Será atribuída a pena de reclusão de três a seis anos se o crime ocorrer com uso de maquinário pesado; ocorrer mediante o uso de substâncias tóxicas; causar poluição hídrica ou do solo que coloque em risco a saúde pública e causar significativa degradação ambiental. Buracos deixados pelo garimpo ilegal na Terra Yanomami Samantha Rufino/g1 RR Diante disso, as lideranças pedem ações permanentes contra os invasores, inclusive que sejam investigados os financiadores da atividade. Além disso, também pedem mais presença de profissionais de saúde no território. Saúde precária e morte evitável Indígenas Yanomami. Lucas Wilame/Rede Amazônica De acordo com o boletim de setembro do Sistema de Alertas, uma criança da comunidade Koroasi, na Missão Catrimani, morreu antes da chegada do helicóptero que o levaria para Surucucu, onde há um hospital. Na Missão Catrimani há uma Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) abandonada, deixando centenas de indígenas desassistidos. O dossiê enviado à CIDH denuncia ainda que algumas comunidades receberam apenas uma visita médica em todo o ano de 2024. A Casai Yanomami em Boa Vista está com obras paradas em 15% do andamento há nove meses, sem condições de atender os cerca de 900 pacientes e acompanhantes que circulam por mês. O novo Centro de Referência em Surucucu, inaugurado em setembro de 2025, ainda não teve seu funcionamento avaliado. "Em Surucucu, foi inaugurado um hospital, mas ainda faltam remédios e atendimento regular. Os profissionais muitas vezes fazem apenas bate-volta de helicóptero e não permanecem nas comunidades", disse Dário. Por meio de nota, o Ministério da Saúde afirmou que desde o decreto de emergência o número de profissionais de saúde no território passou de 690 para 1.855, o que ajudou a reduzir em 33% os óbitos no primeiro semestre de 2025, incluindo quedas de 45% em mortes por doenças respiratórias, 65% por malária e 74% por desnutrição. Segundo a pasta, muitas aldeias já têm acesso a água potável, e onde isso não ocorre, há distribuição de hipoclorito e orientações para consumo seguro. Disse ainda que entre 2023 e 2025, o Ministério da Saúde investiu mais de R$ 222 milhões em saneamento e ações para indígenas, incluindo filtros de nanotecnologia e de barro. Em maio de 2025, foi lançado o Manual Técnico de Atendimento a Indígenas Expostos ao Mercúrio, com diretrizes para profissionais de saúde e recomendações específicas para gestantes e crianças, acompanhadas de testagens e campanhas educativas. Farmácia do Centro de Referência em Saúde Indígena Xapori Yanomami. João Risi/MS/Divulgação Segundo o governo, com base no informe do Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública (COE Yanomami), emitido em maio deste ano, houve avanços na saúde indígena entre 2023 e 2024, com reabertura de polos-base, aumento de 158% no número de profissionais e expansão da telessaúde. As ações resultaram em melhorias na nutrição infantil, maior cobertura vacinal e no enfrentamento da malária. Também houve queda de 21% nos óbitos gerais, incluindo 26% a menos de mortes evitáveis, reflexo da ampliação da assistência e da infraestrutura de saúde no território. Mesmo assim, o dossiê elaborado pelas entidades ligadas aos indígenas apontou que em 2025 foram registrados quase 14 mil casos de malária. Apesar dos investimentos federais, as associações afirmam que as medidas adotadas não tiveram o impacto esperado. “É inadmissível que o Estado amenize os altos índices registrados sob a justificativa de ampliação das equipes de saúde e intensificação do diagnóstico”, diz o documento. As lideranças reforçam que a doença segue fora de controle e pedem a criação de uma força-tarefa para conter a epidemia. As críticas incluem ainda a falta de estrutura adequada no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY). O documento relata que comunidades receberam apenas uma visita domiciliar de equipes médicas em todo o ano de 2024. “A situação é muito precária, sem estrutura física e saneamento básico capaz de comportar cerca de 900 pessoas entre pacientes, acompanhantes e familiares”, descreve o dossiê. As lideranças também cobram maior integração entre a medicina tradicional e o sistema público de saúde, além da criação de maternidades indígenas culturalmente adequadas. Para elas, a falta de diálogo intercultural em hospitais de Boa Vista tem levado à criminalização de famílias Yanomami em casos de desentendimento sobre cuidados de crianças. Dependência de invasores Território Yanomami é palco constante de violência contra indígenas no Brasil ALAN CHAVES/AFP via Getty Images/DW Os impactos diretos do garimpo vão além da degradação ambiental. Dário relatou que garimpeiros destruíram roças em comunidades como Kayanaú e Xitei, obrigando famílias a depender de comida fornecida por garimpeiros. Além disso, os invasores acabam dando bebidas alcoólicas aos indígenas. "Eu vi as casas e roças derrubadas. Isso é um absurdo. As crianças estão ficando desnutridas porque não têm alimentação”, contou. A situação gera fome, insegurança alimentar e desnutrição severa em crianças Yanomami, que sofrem também com o aumento de doenças ligadas à degradação ambiental, como a malária. "As comunidades tentam se recuperar, mas muitas crianças já apresentam sintomas de desnutrição. Faltam remédios, oxigênio e estrutura básica. É revoltante". Ciclo crônico Para o sociólogo Rodrigo Chagas, doutor pela Universidade de Campinas (Unicamp), pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e integrante do Programa de Pós-graduação Sociedade e Fronteiras (PPGSof) da Universidade Federal de Roraima (UFRR), o ciclo de retirada e retorno dos garimpeiros se repete há décadas. Antes de 2023 as operações se limitavam a ações pontuais: os agentes entravam nas áreas, queimavam as máquinas e saíam, mas o garimpo logo voltava. “Essa dinâmica de entra, queima e volta é muito comum. A gente vem vendo isso há anos aqui na região”, afirmou. Segundo o pesquisador, embora o governo tenha intensificado há quase três anos, o principal desafio hoje segue sendo impedir que os invasores retornem. “A dificuldade não é mais retirar os garimpeiros e sim manter o território livre da volta deles. Isso exige uma atuação de longo prazo e passa por questões jurídicas e estruturais”, avaliou. Chagas destacou que o garimpo ilegal é sustentado por uma rede econômica complexa, que vai muito além dos trabalhadores que atuam na ponta. De acordo com ele, empresários mantêm máquinas e investimentos em diversas áreas da Amazônia. O sociólogo também chama atenção para o peso histórico e cultural do garimpo em Roraima. Segundo ele, desde os anos 1970, a figura do garimpeiro foi transformada em símbolo de progresso e prosperidade. “O garimpo, aqui na região, foi uma construção ideológica antes de mais nada. Isso formou uma cultura e uma estrutura econômica em torno dessa atividade que ela é ilegal”. “É preciso fazer as pessoas entenderem que explorar o ouro significa destruir a casa de um povo que está lá há milênios”, completou. Leia outras notícias do estado no g1 Roraima.

FONTE: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2025/10/11/terra-yanomami-segue-sob-ameaca-quase-3-anos-apos-emergencia-liderancas-denunciam-garimpos.ghtml


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